Estou na janela. Flocos de neve caem e se acumulam no batente. O inverno corre solto e apesar do fogo na lareira há muito que não me sinto aquecida. Acabei por me acostumar e aprendi a gostar deste frio, deste entorpecimento que me domina, quase que congelando meus membros.
Não tenho motivos para me sentir quente. Meu coração é um perfeito floco de neve, cristalizado em cada centímetro com toda a sua perfeição e detalhes. E se antes eu desejava poder libertá-lo, não o faço mais. Hoje um sentimento novo me inunda e me preenche, me sinto bem assim, estou finalmente aceitando o frio que me rodeia e que agora me preenche.
A mudança veio rápida, eu estava à sua espera e a acolhi desesperadamente. Agora tomo o controle de toda a situação novamente. Dou risada e vejo o vidro se embaçar a minha frente. Porém uma nova mudança, esta completamente inesperada, me domina.
Pela janela eu o vejo. Um lobo branco, apenas seu focinho preto se distinguindo da neve. Eu o observo cuidadosamente. Quando ele levanta a cabeça e me olha nos olhos perco o fôlego. Olhos azuis como gelo me encaram profundamente. Sinto como se já o conhecesse, mas isso é loucura. Seus olhos tem um entendimento quase humano, e me encaram com uma intensidade absurda. Eles pedem algo a mim, mas não sei o que é.
Ele da um passo a frente e eu me arrepio. Quase com um aceno de cabeça ele se vira para o bosque atrás de si, com um movimento imperceptível ele da um uivo, um lamento, um chamado, ele me chama para ele. Para abruptamente e volta a me encarar, depois dispara para o bosque, parando uma última vez para olhar para trás, como que para ter certeza de que vou segui-lo.
Todo o meu corpo está em choque, com a adrenalina que sinto e a vontade que tenho de sair correndo em busca dele, mas o que me faz de uma vez por todas abandonar meu posto na janela, colocar minhas botas e partir em busca dele é o que vem a seguir. Pouco antes de retomar sua corrida para o bosque posso jurar que vejo uma coisa impossível de se ver em um lobo. Eu o vejo sorrir para mim, e percebo que logo abaixo da boca no lado esquerdo uma pequena cicatriz em forma de meia lua corta sua pele, a parte mais estranha é que é uma cicatriz completamente preta.
E assim tão súbita e inesperadamente sinto cada ponta do meu coração começar a descongelar.